Era terça-feira de tarde, e eu já estava me preparando para uma muito esperada pescaria de trutas selvagens no estado do Tennessee, acompanhando a turma do capítulo UCCTU do Trout Unlimited, do qual eu participo aqui no Estado da Georgia. A nossa partida seria no dia seguinte, 17 de Junho, mas a viagem havia sido toda planejada com antecedência para que coincidisse com o período de eclosão dos Sulphurs no Rio South Holston, o que com certeza nos proporcionaria uma pesca divertida.
A viagem para Bluff City, no nordeste do Tennessee, estava planejada desde Janeiro, e se esgotou três horas após ter sido anunciada. A limitação do número de participantes se devia ao fato de que eram apenas três as casas sendo alugadas pelo grupo (por um preço excelente), e assim, o limite se dava pelo número de camas e quartos disponíveis.
Eu havia confirmado a minha reserva por volta das dez e meia da manhã do dia 29 de Janeiro, e a resposta que recebi, quase que imediatamente, era que não havia mais lugar nas casas. Me restou então entrar em lista de espera, onde eu seria o primeiro a ser incluído caso houvesse alguma desistência. Mais tarde, no mesmo dia, me foi oferecida a opção de ficar com o sofá da sala de uma das casas, a qual aceitei alegre e prontamente.
Mas, aí veio o Covid-19. A viagem ficou no ar, sem confirmação por vários meses. Em Maio, com a maioria dos estados americanos abrindo parcialmente para o comércio e para os negócios em geral, foi votado e anunciado que a viagem seria mantida. O grupo se reduziu de tamanho e, eu ganhei um quarto para dormir. Eba!
No dia 17 de Junho, acordei cedo e saí de casa, em Alpharetta, por volta das sete da manhã. Por volta das onze e meia cheguei à uma cidade próxima do meu destino, onde, assim como de costume, passei na loja de pesca de mosca local. Lá comprei um mapa do Rio South Holston, algumas moscas, e peguei algumas dicas de locais para pesca com o gerente de plantão, o Ben. Uma dica importante, para pescaria ajusante de uma represa, é saber a programação diária da geração de energia da represa e saber o tempo que leva a água para elevar o nível do rio ao longo do trecho deste rio. A má notícia que recebi do Ben era que a represa do Lago South Holston estaria gerando energia durante grande parte daquele dia, com exceção de uma pequena janela de tempo que havia começado às nove da manhã e que terminaria ao meio-dia. A boa notícia era que as casas alugadas pelo nosso grupo ficavam bem abaixo da represa, e o nível de água levaria umas cinco horas para se elevar naquele ponto, o que me permitiria pescar por algumas poucas horas ainda, pelo menos até as cinco da tarde.
Cheguei ao meu destino em Bluff City, coloquei meu wader, preparei meu material de pesca e fui procurar o rio. Em poucos minutos já estava pescando. Não vi a eclosão dos tais Sulphurs, e apesar de tentar várias moscas diferentes, e observar algumas trutas se alimentando próximas a superfície, não consegui fisgar nenhuma danada. Outros companheiros chegaram a partir das três da tarde e alguns poucos conseguiram decifrar o código e capturar algumas trutas marrons e arco-iris. Deu cinco da tarde e todo mundo subiu o barranco para não ser pego pela elevação do rio. Para mim, foi dia de treinamento de arremesso, mas em um cenário deslumbrante.
A noite fomos comer em um restaurante Mexicano e conversar sobre o dia que passou. Foi aí que descobrimos o seguinte, o climax da eclosão dos Sulphurs já havia passado, e embora nos próximos dias alguma eclosão ainda pudesse ser observada, ela ocorreria provavelmente ao final do dia, por volta das oito da noite, antes do sol se pôr. O problema era que, devido a programação da represa do lago South Holston, a pesca com wader não permitira-nos disfrutar esta experiência. A previsão da represa para o dia seguinte era gerar energia o dia inteiro. Foi aí que vimos a necessidade de um "Plano B". Felizmente, há um outro rio que corre na região, ao sul do South Holston, e que também contém excelentes trutas selvagens, o Rio Watauga. A previsão da represa que alimenta este rio, de acordo com o Website da geradora de energia (TVA), era que não haveria geração para o dia seguinte; logo, ótima notícia pra nós. O porém era que, eu não tinha o mapa deste rio e não sabia nem por onde começar no que diz respeito a locais de pesca. Voltando de carro do restaurante, era impressionante a quantidade de Sulphurs voando e batendo de encontro com o nosso vidro dianteiro, seria ótimo pescar em um momento assim... A noite, em casa, localizamos o Rio Watauga no Google Maps e identificamos alguns pontos possíveis de entrada no rio, sendo o mais óbvio, a rampa para barcos próxima da represa.
No dia seguinte, por volta das nove da manhã fomos em dois grupos de dois para o local identificado. Quando cheguei lá, dois companheiros já estavam na água pescando, e um outro estava falando no telefone. Me preparei, entrei no rio pela rampa de barco, mas como o acesso não era ideal, resolvi voltar e entrar pelo rio, um pouco mais abaixo. O meu companheiro que estava ao celular fez sinal para que eu parasse para falar com ele. Ele estava conversando com um morador local, que informou que haveria uma liberação de água pela represa naquele instante, para fins recreacionais (rafting, etc.), e que, portanto, não seria uma boa entrar na água naquele ponto, naquele momento. Mas nosso outros dois amigos já estavam na água e tinhamos que, de alguma forma, avisá-los. Primeiramente tentamos os celulares, mas ninguém atendia. Fomos até a beira do rio e percebemos que o nível de água já subia substancialmente. Quando finalmente encontramos um dos nossos pescadores, era fácil perceber a dificuldade que ele teve em sair da água dada a correnteza do rio. Mas um outro dos nossos amigos ainda permanecia disaparecido. Fui pela estrada a beira do rio tentar localizá-lo, mas nada vi. Subi uns 100 metros pela rodovia, descendo o curso do rio, até que avistei uma pequena e forte corredeira. Neste momento, torci para que o colega ainda estivesse na parte de cima do rio. Voltei para avisar a turma que não havia encontrado nosso outro amigo. Sopramos o apito de emergência para tentar localizá-lo e já estavamos prestes a chamar o resgate através do 911, foi quando eu vi o nosso colega perdido subindo o barranco do rio, acima de nós, todo ensopado e tremendo. Fui recebê-lo e ver o que aconteceu. Ele ainda gaguejando, de frio e susto, me explicou que estava com uma truta na linha, e não percebeu a elevação do rio, durante a briga com a truta pisou em falso e foi arrastado uns 100 metros pela corredeira. Quando se deu conta do ocorrido, colocou seus pés à frente de seu corpo para proteger sua cabeça das pedras e com bastante esforço conseguiu chegar a beira do rio e em terra firme. Que sufoco! O dia havia acabado para ele. Com o wader cheio de água, sem a truta, mas com a vara ainda agarrada em uma de suas mãos, ele precisava sentar e descansar. Esta experiência foi mais um alerta para todos nós, que pescamos muito em rios alimentados por represas, para ficarmos sempre de olho em qualquer elevação dos níveis dos rios. Mais tarde, relembrando os acontecimentos, nos demos conta que as outras pessoas que estavam pescando no rio tinham saído à tempo, e que só os dois haviam ficados. Isto deveria ter sido um sinal de alerta, mas for a totalmente neglegenciado por nós naquele momento. Lição aprendida!
Já era de tarde quando decidimos pegar o carro e descer o rio, o que nos permitiria pescar por pelo menos mais umas duas horas antes das águas do rio nos pegar de novo. O lugar era maravilhoso, mas ainda vivendo a experiência recente, não foi uma pesca produtiva. De volta para a casa, fiz umas caipirinhas de Velho Barreiro e planejamos o dia seguinte. Eu havia decidido que o dia 19 seria dedicado a pesca embarcada com um guia no Rio Watauga, outros do grupo fariam pesca similar no Rio South Holston.
Eram oito da manhã e eu já estava no ponto de marcado para me encontrar com o nosso guia e mais um companheiro de pescaria. Desta vez, fomos ao final do curso do Rio Watauga, onde desceríamos as próximas oito milhas do rio, passando praticamente só por propriedades particulares até a rampa de barco pública no final do percurso. O acesso para pesca neste trecho somente pode ser feita por embarcações e mesmo se houvesse geração de energia pela represa, a água não seria capaz de alcançar-nos. Seria um dia sem problemas!
A manhã começou devagar, com águas calmas e o dia nublado, mesmo assim, meu companheiro fisgou a primeira truta, uma arco-íris selvagem de umas dezesseis polegadas (41cm). As trutas selvagens são espertas e difíceis de se enganar, mas quando fisgadas dão um show de bravura. Foram mais de cinco minutos para embarcar (e depois soltar) a bichinha. Momentos depois, mais uma arco-íris selvagem para meu amigo, desta vez, um pouco maior e mais brava. Por várias vezes seguidas, ele e eu demos bobeira e não conseguimos fisgar as trutas. Neste período, basicamente, estávamos com uma grande mosca flutuante imitando um inseto terrestre (tipo grilo, tamanho 6) e uma "beadhead zebra" ou "beadhead caddis midge" bem pequenas (tipo, tamanho 18 ou 20). Depois, passamos a alternar entre "euro nymphing", ou utilizar dois beadhead midges (tamanhos 16 e 18, ou 20) e um indicador bem leve. Finalmente, na parte da manhã consegui fisgar o meu primeiro peixe, uma truta marrom de umas dez polegadas (26cm). Apesar do tamanho, ela brigava como se fosse muito maior. Minutos depois meu companheiro fisgou uma grande que lhe arrebentou a linha. Até o momento, quase por volta do meio-dia, eu havia apenas pego a marrom de dez polegadas, apesar de ter perdido inúmeras trutas. A situação mudou completamente quando o sol abriu e entramos em águas mais movimentadas. Foi a minha vez de pegar uma arco-íris de dezesseis polegadas e brigar com ela por uns cinco ou dez minutos, dificil precisar pois o tempo passa de forma diferente quando estamos com peixe no anzol. Era já uma hora da tarde quando paramos para comer um sanduíche e um beber um refrigerante, por determinação de nosso guia - se dependesse de nós, passaríamos fome e sede.
Um pouco depois do almoço, passamos por um outro barco com dois de nossos amigos, que além de trutas, estavam também tentando fisgar os valentes robalos riscados ou "striped bass" (grande predadores de trutas). Nos cumprimentamos e ficamos sabendo de mais um incidente, desta vez um deles se fisgou no polegar com um anzol tamanho 1, que foi retirado pelo guia durante a navegação. Felizmente nada mais grave ocorreu.
Logo que voltamos a ação, em uma corredeira, fisguei uma marron que deveira ter umas dezoito polegadas (46 cm), a bichinha saltava, e tentava que tentavar subir o rio ou voltar para o fundo do poço; depois de alguma briga tivemos mais um peixe capturado e solto. Não mais de meia hora depois, mais uma arco-íris de dezesseis polegadas, brigando, sendo fotografada e voltando para o rio. O tempo estava virando, o céu atrás de nós escureceu completamente e começou a roncar; havia previsão de chuva e estavamos preparados, mas sem chuva era melhor, por vários motivos. Estavamos já chegando a rampa de desembarque, em nossa última parada, quando peguei a maior arco-íris da viagem, gorda, provavelmente de umas vinte polegadas (51 cm), linda e selvagem. Apesar do tamanho, a briga foi mais curta que as anteriores, em pouco tempo a danada foi devidamente embarcada, fotografada e solta. Era hora de guardar a tralha de pesca e relembrar os excelentes momentos desta pescaria. A tempestade havia mudado de curso e não nos pegou. O balanço final de nosso passeio foi de umas 8 trutas, fora as dezenas que perdemos. O número pode não impressionar muito, mas o fato de serem selvagens e relativamente grandes, garantiram uma boa briga todas as vezes. A noite, de volta a casa, soubemos dos outros colegas que pescaram embarcados no South Holston que a pescaria havia sido excelente, porém com peixes menores, na faixa de 10 polegadas. Além disto, voltaram todos encharcados pela chuva que nos seguia mas que havia se desviado para o Norte.
Para o dia seguinte, eu decidi pescar no South Holston sozinho, apesar de não ter eclosão de Sulphurs. De manhã iria no trecho próximo a represa, pois soube que não haveria geração de energia durante aquele periodo. De tarde, ficaria próximo de casa, até por volta das cinco da tarde, já que a noite eu seria responsável por preparar algumas picanhas para o nosso grupo do Trout Unlimited.
Cheguei a represa por volta das nove e meia da manhã, preparei minha tralha, entrei na água, e comecei a arremessar. Como era Sábado, havia diversos outros pescadores ao meu redor. Apesar de preferir uma pesca mais solitária decidi ficar no local por algumas horas, só para conhecer a área. Ao meu redor, não vi muita ação. O tempo estava nublado, com névoa baixa, e com a água paradíssima, por isto era muitíssimo difícil ter uma apresentação realista da mosca. Eu já estava prestes a mudar a minha mosca quando senti uma fisgada forte no final do curso de meu arremesso e a linha correu rio abaixo. Briguei por diversos minutos e trouxe uma linda arco-íris selvagem de umas quinze polegadas (38 cm), que foi atrás do "puff daddy" que eu havia comprado no "fly shop". Em seguida, após uma foto, a truta voltou ao rio, só que desta vez mais esperta e arisca. Por volta das onze e meia a manhã, como o local estava começando a ficar mais cheio, decidir comer uma barra de cereal e ir para casa pescar por lá. Eu tinha umas três horas para pescar antes de deixar o rio South Holston, minhas últimas horas de pesca antes de voltar para a Georgia no dia seguinte. Eu estava sozinho no trecho do rio, e via diversas trutas pulando, apesar disto, elas não pareciam interessadas nas diversas moscas que eu tentava apresentar-lhes. Foi em uma pequena corredeira, nestas últimas horas, que eu peguei a truta mais valente da viagem. Não era a maior truta, mas era sem sombra de dúvida a mais briguenta. No momento que eu vi o indicador submergir e senti a truta na linha esticada, eu fisguei, e ela deu um salto da minha altura. Em seguida, no momento que ela bateu de volta na superfície da água, um outro salto. A marrom não se entregava e continuava nadando, desta vez em minha direção, contra a correnteza. Foram vários minutos até que eu consegui colocá-la na rede. A bicha, além de valente, era linda, com diversas manchas vermelhas, que pareciam fluorescentes. Ao soltá-la de volta ao rio, tentei uma foto, mas como estava só, não ficou excelente. A melhor foto ficou somente em minha memória!
Voltei feliz para casa, abri uma IPA gelada, guardei minha tralha e comecei o preparo das três peças de picanha que eu havia comprado para alimentar os quatorze pescadores. Para acompanhar, feijão, arroz e um vinagrete foi preparado por um outro dos nossos companheiros de pesca. A noite, depois de uma breve trovoada, alguns de nós acendemos uns charutos e nos despedimos de nossa curta, mas inesquecível aventura no Nordeste do Tennessee.
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